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CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS

COUR INTERAMERICAINE DES DROITS DE L'HOMME

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

INTER-AMERICAN COURT OF HUMAN RIGHTS

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS*

CASO SALES PIMENTA VS. BRASIL

SENTENÇA DE 30 DE JUNHO DE 2022

(Exceções preliminares, Mérito, Reparações e Custas)

RESUMO OFICIAL EMITIDO PELA CORTE INTERAMERICANA

Em 30 de junho de 2022, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (doravante, “a Corte

Interamericana”, “a Corte” ou “o Tribunal”) proferiu Sentença mediante a qual declarou a

República Federativa do Brasil (doravante, “o Estado”, “o Estado do Brasil”, ou “o Brasil”)

internacionalmente responsável pela violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção

judicial e ao direito à verdade, contidos nos artigos 8.1 e 25 da Convenção Americana sobre

Direitos Humanos (doravante, “a Convenção Americana” ou “a Convenção”), em relação à

obrigação de respeito e garantia dos direitos, estabelecida no artigo 1.1 do mesmo

instrumento, em prejuízo a Geraldo Gomes Pimenta, Maria da Glória Sales Pimenta, Sérgio

Sales Pimenta, Marcos Sales Pimenta, José Sales Pimenta, Rafael Sales Pimenta, André Sales

Pimenta e Daniel Sales Pimenta. Isto, como consequência das graves falências do Estado na

investigação sobre a morte violenta de Gabriel Sales Pimenta, as quais implicaram o

descumprimento do dever de devida diligência reforçada para investigar crimes cometidos

contra pessoas defensoras de direitos humanos, bem como a vulneração flagrante da garantia

do prazo razoável e a situação de absoluta impunidade em que se encontra o referido homicídio

até a atualidade.

Ademais, o Tribunal declarou o Estado responsável pela violação do direito à integridade

pessoal, reconhecido pelo artigo 5.1 da Convenção Americana, em relação ao artigo 1.1 do

mesmo instrumento, em prejuízo às vítimas supra referidas.

I. Fatos

A. Contexto de violência e impunidade relacionado à luta pela terra no Brasil

O Brasil possui um extenso território com grande capacidade produtiva e de assentamento

social, que, desde o período colonial, vivenciou uma distribuição desequilibrada da

propriedade.

Desde a década de 1960, há registros de distintos conflitos agrários que resultaram em mortes

* Integrada pelas seguintes juízas e juízes: Ricardo C. Pérez Manrique, Presidente; Humberto Antonio Sierra

Porto, Vice-Presidente; Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot, Juiz; Nancy López, Juíza; Verónica Gómez, Juíza; e Patricia

Pérez Goldberg, Juíza. Presentes, ademais, o Secretário, Pablo Saavedra Alessandri, e a Secretária Adjunta, Romina

I. Sijniensky. O Juiz Rodrigo Mudrovitsch, de nacionalidade brasileira, não participou da tramitação do presente caso

e tampouco da deliberação e assinatura desta Sentença, conforme o disposto nos artigos 19.1 e 19.2 do Regulamento

da Corte.

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violentas de trabalhadores(as) rurais e seus defensores(as). Com efeito, de 1961 a 1988,

foram mortos 75 sindicalistas, 14 advogadas/os, 7 pessoas religiosas, 463 líderes de lutas

coletivas, entre outros, no Brasil. O Estado do Pará, durante o período de 1961 a 1988, foi o

líder no ranking de mortes e desaparecimentos, com 772 entre 1971 e 2004, dos quais,

respectivamente, 239 e 574 ocorreram no Sul daquele estado. O Pará foi destacado por alguns

organismos e organizações internacionais pelos conflitos constantes e violentos relacionados

à luta pela terra, que resultaram na morte de centenas de trabalhadores rurais, líderes

sindicais, advogados e defensores de direitos humanos.

Entre 1964 e 1998, dos 703 casos de trabalhadores rurais vítimas de homicídio, 5,26% foram

julgados. Por outro lado, entre 1985 e 2013, de 428 casos de homicídios relacionados a

conflitos no campo, 21 casos foram levados a julgamento, resultando na condenação de 12

autores intelectuais e 17 autores materiais. Quanto ao município de Marabá, no Estado do

Pará, onde ocorreu a morte de Gabriel Sales Pimenta, a taxa de impunidade foi de 100% entre

1975 e 2005.

B. Sobre Gabriel Sales Pimenta e seu trabalho como defensor de direitos humanos

de trabalhadores rurais

Gabriel Sales Pimenta era um jovem de 27 anos ao momento de sua morte. Era oriundo do

município de Juiz de Fora, no estado de Minas Gerais, e formou-se em Direito pela Universidade

Federal desse município. Em 1980 se incorporou como advogado do Sindicato de

Trabalhadores Rurais de Marabá (doravante denominado “STR”), no Estado do Pará. O senhor

Sales Pimenta foi um dos primeiros advogados a residir em Marabá. Além disso, foi

representante da Comissão Pastoral da Terra, por meio da qual ofereceu assessoria jurídica a

trabalhadores rurais, foi fundador da Associação Nacional de Advogados dos Trabalhadores na

Agricultura e participou ativamente de movimentos sociais na região e em outras esferas. Em

seu exercício como advogado da STR atuou na defesa dos direitos dos trabalhadores rurais.

Desde ao menos 1973, partes de Pau Seco que haviam sido incorporadas ao patrimônio da

União, eram habitadas e cultivadas por trabalhadores rurais “posseiros” e suas famílias. Em

1980, M.C.N. e J.P.N. alegaram ter adquirido o domínio útil de Pau Seco, onde começaram a

explorar a madeira existente na região, o que gerou um conflito com os referidos trabalhadores

rurais. Em outubro de 1981, em vista da ação de reintegração da posse iniciada por M.C.N. e

J.P.N., foi expedida uma liminar de reintegração de posse, de modo que a polícia militar

procedeu com o despejo dos trabalhadores rurais. Diante dessa ação, em 20 de novembro de

1981 Gabriel Sales Pimenta, como advogado do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Marabá,

interpôs um mandado de segurança† perante o Tribunal de Justiça do Estado do Pará e solicitou

a revogação da liminar de reintegração de posse que havia gerado o despejo. Esse mandado

de segurança foi concedido, de modo que, em 21 de dezembro de 1981, ordenou-se ao oficial

de justiça que se dirigisse à região do conflito “para garantir a permanência” dos trabalhadores

rurais.

Segundo declarações, em 1982, Gabriel Sales Pimenta teria denunciado à Secretaria de

Segurança Pública em Belém, na capital do Estado do Pará, ameaças e homicídios de

trabalhadores rurais em Pau Seco em três ocasiões. A última denúncia foi realizada em junho

de 1982. Por outro lado, as ameaças contra Gabriel Sales Pimenta tiveram início ao menos em

dezembro de 1981, após o êxito em reverter o despejo dos trabalhadores rurais da região de

Pau Seco.

† Consiste em uma ação prevista na Constituição da República Federativa do Brasil, cujo objetivo é proteger

um direito certo que foi violado por um ato ilegal ou abusivo de uma autoridade pública ou de um agente de uma

pessoa jurídica em exercício de atribuições do Poder Público. Cf. Artigo 5, LXIX, da Constituição brasileira. Disponível

em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.

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C. A morte de Gabriel Sales Pimenta e a investigação policial

Em 18 de julho de 1982, Gabriel Sales Pimenta dirigiu-se ao bar conhecido como “Bacaba”, na

cidade de Marabá, na companhia de alguns conhecidos. Aproximadamente às 22:30 horas,

Gabriel Sales Pimenta, Edson Rodrigues Guimarães e Neuzila Cerqueira Guimarães saíram

juntos do bar. Quando os três haviam percorrido entre 30 a 35 metros em direção ao veículo

de uma amiga, passaram ao lado de um automóvel marca Volkswagen, tipo Fusca, de cor

bege, que se encontrava estacionado. Um homem saiu do veículo e disparou três vezes contra

o senhor Sales Pimenta, que morreu de maneira instantânea. O homem posteriormente teria

fugido no mesmo veículo. Segundo a declaração de uma testemunha, no veículo se

encontravam outros dois homens.

A investigação policial teve início no dia seguinte. Em 22 de julho de 1982 o Delegado da

Divisão de Delitos contra a Pessoa, que era responsável pela investigação policial, identificou

a M.C.N. e J.P.N. como os supostos autores do homicídio de Gabriel Sales Pimenta.

Posteriormente, em relatório de 8 de setembro de 1982, acrescentou C.O.S. à lista de

acusados.

D. Fatos autônomos ocorridos no âmbito do processo penal com posterioridade a 10

de dezembro de 1998 (data de reconhecimento da competência contenciosa da

Corte por parte do Brasil) e medidas adicionais realizadas pelos familiares do

senhor Sales Pimenta

Em 19 de agosto de 1983, o Ministério Público apresentou denúncia penal contra M.C.N., J.P.N.

e C.O.S. como autores do delito de homicídio qualificado, perante a Juíza de Direito da Comarca

de Marabá. A denúncia foi recebida em 23 de agosto de 1983.

Em novembro de 1999, o Ministério Público solicitou a extinção da responsabilidade penal do

acusado J.P.N. devido a sua morte, o que foi decretado pelo Juiz em exercício, juntamente

com a improcedência da denúncia contra C.O.S., por falta de provas. Assim, declarou o senhor

M.C.N. como o único acusado. Entre janeiro e maio de 2001, M.C.N. foi intimado três vezes

para que tomasse conhecimento da sentença de pronúncia, a qual transitou em julgado em 7

de janeiro de 2002.

Programou-se o julgamento perante o Tribunal do Júri para 23 de maio de 2002. Duas

testemunhas não foram localizadas, entre elas, a testemunha ocular Luzia Batista, quem,

segundo manifestou seu vizinho, teria falecido. O julgamento programado não foi realizado

pois o acusado M.C.N. não foi localizado. A esse respeito, sua ex-esposa informou que o senhor

M.C.N. vivia em São Paulo. Nesse mesmo dia, foi expedida uma ordem de prisão preventiva,

entretanto, não foi remetida às autoridades de São Paulo.

Em 20 de fevereiro de 2004, o caso foi remetido à Vara Agrária, uma vez que a Vara Criminal

determinou que não tinha competência porque o delito teria uma motivação de natureza

agrária. Em fevereiro de 2005, o Tribunal de Justiça do Pará determinou que a Vara Agrária

não tinha competência no âmbito criminal. Em 28 de julho de 2005, os autos foram devolvidos

à Vara Criminal. Quando o processo retornou à Vara Criminal, foi agendada nova sessão de

julgamento; entretanto, não pode ser realizada porque o acusado não compareceu. O juiz,

então, ordenou a suspensão da sessão até que fosse localizado e ordenou a emissão de ordens

de prisão dirigidas a todos os estados do Brasil. Em 6 de março de 2006, M.C.N. comunicou

seu domicílio em Brumado, Bahia. Em 3 de abril de 2006, a Polícia Federal conseguiu cumprir

a ordem de prisão preventiva. Assim, foi fixado o dia 27 de abril de 2006 como a data para o

julgamento. Em 10 de abril de 2006, os advogados do acusado impetraram um habeas corpus